Com furtos fora de controle, figuras históricas do Cemitério da Consolação caminham para o esquecimento

O Cemitério da Consolação é acompanhado pelo São Paulo Antiga desde sua estreia há 9 anos. Afinal a inauguração do blog foi celebrada com um passeio nesta que é a mais importante necrópole paulistana.

E ao falar da Consolação é impossível não lembrar dos furtos que por lá acontecem há muitos anos. Entretanto de 2017 para cá, a situação saiu completamente do controle atingindo índices alarmantes e comprometendo provavelmente para sempre aquele que muito mais que um cemitério é um verdadeiro museu a céu aberto.

Obras assinadas por Nicolina Vaz de Assis, Amadeu Zani, Armando Zago, Galileu Emendabili, Laurindo Galante e Victor Brecheret e muitos outros artistas não tão conhecidos, que estavam adornando túmulos das mais variadas famílias já não estão mais. Esculturas, portinholas, relevos, esculturas de diversos tamanhos simplesmente foram roubadas. É visível ao caminhar pelo cemitério que os furtos são constantes e o estado de abandono e descaso por parte da prefeitura de São Paulo é uma triste realidade.

O São Paulo Antiga realizou uma nova visita ao cemitério e listou alguns túmulos de grande relevância em que as obras foram furtadas, contudo tenha você leitor a total certeza de que o numero é absurdamente maior.

Antoninho da Rocha Marmo

Um familiar do santo popular entrou em contato conosco denunciando os roubos que ocorre frequentemente no jazigo da família. Dezenas de placas de ex-votos foram furtadas. Certamente é um dos túmulos mais visitados e conhecidos da necrópole.

Busto do jornalista Paolo Mazzoldi

Um grupo de jornalistas financiou a encomenda do busto do jornalista. Paolo Mazzoldi era apreciador de literatura e foi diretor de diversos jornais voltados a colônia italiana incluindo o vespertino Il Piccolo. Abaixo de onde existia o busto sobrevive um pequeno relevo com o nome do jornal. A obra é datada de 1922 e assinada pelo escultor Amadeu Zani.

Antonio Sabino Castilho Pereira

Agricultor e proprietário da Fazenda Santa Cruz na região do município paulista de Lins., teve em 1904 sua fazenda loteada surgindo assim a Vila Sabino. Em 1954 a vila foi elevada à categoria de município. No túmulo do patriarca da cidade só restou apenas a sombra de Jesus Cristo crucificado, que era uma escultura de grandes proporções.

Victor Brecheret

Os monumentos às Bandeiras e ao Duque de Caxias são algumas obras que embelezam o patrimônio cultural de São Paulo e levam a assinatura do célebre escultor. Um dos nomes mais conhecidos das artes plásticas de São Paulo é também o criador de incontáveis obras tumulares, como o Sepultamento que adorna o túmulo da Olívia Guedes Penteado e o Anjo que pertence a família Botti. Mas numa pequena rua sem saída do Cemitério da Consolação existe uma preciosidade, ou melhor, existia. Um discreto relevo que tinha cerca de 50cm x 50cm também foi roubado.

São Paulo Antiga procurou a senhora Sandra Brecheret Pellegrini, filha do escultor Victor Brecheret, que nos deu o seguinte depoimento:

“Infelizmente nada posso fazer, esta é uma situação que vem se agravando com o tempo. Lamento que isto esteja acontecendo e creio que esta obra de meu pai deve ter sido já derretida (sic) para virar sucata e ser vendida. No meu caso, o túmulo de meu pai, no Cemitério São Paulo coloquei apenas uma pequena placa sem nenhuma importância, apenas com o rosto dele, para que não seja roubada. Jamais poria hoje em dia, qualquer escultura que eu tenha de autoria dele, pois acredito, não duraria uma semana. Este é o tempo que vivemos, e os Cemitérios são de responsabilidade da prefeitura que nada faz e nem nunca fez.”

Descida da Cruz

Outra importante obra do escultor Amadeu Zani furtada. Chamada de ˝Descida da Cruz˝, tratava-se de um lindo relevo medindo aproximadamente 1 metro e meio de largura e que não está mais na necrópole. Resta em seu lugar apenas o que outrora foi o rosto de Maria marcado no cimento, parecendo uma espécie de Santo Sudário.

Obra de Heinrich Waderé

O Cemitério da Consolação também recebeu obras de artistas de muitas outras nacionalidades. Isso afirma a importância do espaço funerário como museu a céu aberto e que precisa ser preservado.

A figura de Jesus Cristo abençoando a uma criança junto a um anjo possivelmente era a única obra tumular em São Paulo, talvez no Brasil, do escultor alemão Waderé. Ele também é o autor da famosa escultura de São Bento que está no portal de entrada do Mosteiro.

Iria Alves Ferreira – Rainha do Café

Também muito conhecida no passado como a Rainha do Café, na cidade paulista de Ribeirão Preto, ela foi proprietária da Fazenda Pau Alto, uma das maiores produtoras de café do Brasil. Na época se envolveu em polêmicas típicas do coronelismo,  sendo acusada de ser mandante de um assassinato quem ficou conhecido como Crime de Cravinhos e também de ser a responsável a um atentado a uma famosa acompanhante do início do século 20, Nenê Romano.

A obra era assinada pelo escultor italiano radicado no Brasil Julio Starace. A mulher com expressão de piedade perante a Jesus Cristo foi roubada perdendo assim o significado da simbologia do túmulo. Abaixo da escultura segue o epitáfio de Iria “Como voz meu Jesus carregando a minha cruz perdoei aos que me caluniaram e perseguiram”.

Orfeu e Eurídice

Aqui vale um alerta importante: Esta peça ainda não chegou a ser furtada, porém serve como um aviso aos órgãos responsáveis do que poderá acontecer. A obra assinada pelo escultor Nicola Rollo entitulada “Orfeu e Eurídice” foi feita em 1920. A chapa que ficava aos pés de Orfeu já foi retirada e a escultura está sendo solta aos poucos.

Tarsila do Amaral

Expoente da arte paulista e integrante da Semana de Arte Moderna de 1922, além de renomada e reconhecida internacionalmente, Tarsila do Amaral em suas obras descreve as várias faces de São Paulo e do Brasil.

Tamanha autoridade que pela primeira vez sua obra está sendo exposta no MoMA, Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Contudo seu reconhecimento artístico é muito diferente de sua última morada.  Simplesmente não existe mais nenhuma identificação, pois as placas com os nomes dos familiares foram todas furtadas. A identificação do túmulo só não está ainda pior porque existe uma placa acrílica feita em parceria com a PUC SP.

General Couto de Magalhães

Segundo o historiador Clarival do Prado Valadares em seu livro “Arte e Sociedade nos Cemitérios Brasileiros” o túmulo do General Couto de Magalhães é a primeira manifestação de art nouveau de São Paulo.  A obra de 1905 foi feita pela escultora Nicolina Vaz de Assis Pinto do Couto, uma das primeiras escultoras mulheres do Brasil e que também é a autora da Fonte Monumental, na Praça Júlio Mesquita.

Couto de Magalhães foi o último Presidente da Província de São Paulo e para seu túmulo a escultora Nicolina Vaz retratou a alegoria à pátria. Alegoria essa que agora perdeu o sentido, pois a bandeira que a figura feminina ostentava na mão direita foi furtada.

O futuro da arte cemiterial está comprometido em São Paulo

Diariamente ouvimos casos de furtos não só no Cemitério da Consolação, mas também em outros cemitérios de São Paulo como Araçá, São Paulo e Quarta Parada. E podemos estender a várias outras necrópoles brasileiras, como o de São João Batista no Rio de Janeiro.

No nossa caso específico, diversos aspectos históricos, artísticos e culturais de São Paulo e do Brasil passam pelo Cemitério da Consolação. Sendo assim, a história desta metrópole está sendo subtraída lenta e dolorosamente e o respeito ao espaço mortuário, que deveria ser preservado junto com os túmulos e suas esculturas esquecido.

Muitas das obras furtadas sequer foram fotografadas e correm o risco de não poderem jamais serem repostas com réplicas, ou seja, possivelmente nunca mais serão vistas novamente.

Colaborou: Douglas Nascimento
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Casarão – Rua Saldanha Marinho

Antigo casarão localizado no número 116 da rua Saldanha Marinho, bairro do Belém. Inicialmente uma residência nobre do bairro, foi posteriormente locada para escritório de advocacia, seguradora, clínica e mais recentemente foi sede da Dinamic Despachantes e Seguros

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15 respostas

  1. Estamos num tempo de que é para alguns odiar arte, respeitar as convenções sociais e aceitar as normas do bom-senso? Desde que me mudei em 1995 de Campinas para Brasília, notei que é gritante o que falo: há, por exemplo, uma vizinha do andar de cima do apartamento em que moro que há um tempo atrás jogou um rolo molhado de papel higiênico pela janela que acabou grudando num carro estacionado de frente ao bloco: outro dia ela jogou uma raiz de alho poró e casca de um ovo. Num bloco próximo vi, enquanto passeava com o cachorro de estimação, folhas de alho poró lançadas pela janela e caídas na calçada frontal. Parece que é pessoal que não pode usar saco de lixo. Acho tudo muito estranho. Depois dizem que quem faz isto e mora nos locais é pessoal aluno da UnB (Universidade de Brasília). Se assim for, pergunto a vocês paulistanos e, entre outros, aos meus conterrâneos cariocas: acham também muito estranho assim como eu? Para completar, nas escolas públicas em que tenho trabalhado é, pelo menos no Plano Piloto, cidade de Brasília, que tais atos parecem mais marcantes, embora nas cidades-satélites também se perceba com certa proporção, especialmente na Ceilândia, local que, até onde noto, sempre é notícia por nunca ter um dia em ordem.

  2. Um país que permite que tratem assim locais sagrados tem que ir em direção ao brejo mesmo. E se levarmos em conta que vários escritores que dão nome à ruas no centro de São Paulo já faziam de suas orgias e rituais pagãos o de cemitérios, a depredação já vem de longe. E triste que esculturas são roubadas não talvez por valor artístico mas pelo metal que derretido vai render aos ladrões alguns cigarros de maconha e pedras de crack.

  3. O país está jogado as traças, as leis estão ai más não funciona, a cultura dos brasileiros não é boa, não existem mais respeito por nada nem mesmo entre pessoas o certa está errado e o errado está certo…….o país de mil novecentos e setenta (1970) para cá despencou em todos os sentidos, é lamentável.

  4. Boa tarde. Infelizmente, esses furtos se tornaram escandalosos. Eu já notava isso há anos, quando visitava cemitérios ilustres, mas nada tão grande como nos casos que vocês registraram neste artigo. É de cair o queixo. Não tem como não pensar no efeito direto do socialismo que é disseminado através da educação a título de “senso crítico” e “conscientização” nas últimas décadas – o resultado está diante de nossos olhos, no caso, na depredação e ausência de objetos que pertenciam a outrem.

    Para as seitas socialistas, não sofreríamos a influência do Pecado Original em nossas inclinações más, e por isso não teríamos de combater a nós mesmos no que temos de mal. Se certa inclinação vem da “natureza”, segundo essas seitas, seria lícito segui-las, pois não existiriam punições a serem aplicadas às transgressões aos Mandamentos, e nem Paraíso a ganhar, nem Purgatório qual expiar, ou Inferno a temer… O resultado dessas teses materialistas nos é apresentado todo santo dia. Os ditos “pobres” que seriam “vítimas da sociedade, do sistema etc.” seriam dispensados da observância da moral cristã, porque, afinal, se não há nada além desta vida, eles tem de buscar sua compensação aqui mesmo, ainda que mediante depredação e furto da arte. Por isso que a Prefeitura Municipal não faz nada. Isso está por todo lado.

    Para completar o quadro do socialismo que nos é impingido, só que sem cara de socialismo, atuando como linha auxiliar na revolução anticristã, estão os modelos de conduta e ideias que nos foram apresentados em nosso crescimento. Na certa, os bandidos que depredam e roubam cemitérios assistiram muita Xuxa, Mara Maravilha, Faustão, Gugu, Eliana, Sérgio Mallandro e quejandos. Viram e ouviram muito Zezé de Camargo e Luciano, Axé Music, Phil Collins etc. etc. e deram nisso. Muita lascívia, muita superficialidade, muito sentimentalismo, confusão nos papéis sexuais, falta de fé verdadeira, e diante da adversidade, caíram no crime. Era só questão de tempo. Talvez o estrago nessas pessoas seja irreversível, para não falarmos só nos bens materiais que eles destruíram. De qualquer forma, precisam ir para a cadeia.

    1. Nossa, eu não sabia que Phil Collins, compositor de baladas pop românticas e inofensivas, tinha esse poder nefasto todo. Quanto ao resto do texto, salada de socialismo e anticristianismo digno dos maiores delírios de Olavo de Carvalho ou padre Paulo Ricardo usada para explicar uma conduta criminosa que obviamente não merece qualquer respaldo, aprovação ou justificativa (no caso, vandalismo de túmulos), não há o que comentar. (Talvez o autor veja minha observação como um elogio. Sem problemas…)

    2. Se você precisa de fé em um determinado credo religioso para ser um bom cidadão, sinto muito, mas é um fraco. Uma pessoa boa vai ser uma pessoa boa mesmo se não professar fé em deus nenhum.

  5. Isso acontece porque aqui no Brasil, o povo considera que o espaço público é de ninguém, então eles podem fazer o que quiserem, inclusive vandalizar e furtar.

  6. A estratégia deste partido que há duas décadas devasta o nosso estado é sempre a mesma. Degradação, manutenção zero, zeladoria nula. Tornar o serviço público precário, para vender por qualquer trocado à iniciativa privada.
    Parabéns aos que votaram no prefeito engomadinho!!

  7. Lamentável o que acontece nos túmulos e documentação nos cemitérios de São Paulo. Semana passada estive no Cemitério São Paulo para procurar saber se meus bisavós estão repousando lá. Na administração, os computadores são do século passado e mal funcionam. Algumas pastas com papéis amarelados jogados em uma prateleira. Funcionário prometeu procurar as informações sobre meus bisavós, mas nada. Tive que ligar esta semana lá para cobrar e somente enrolou. Veio com conversa que pode estar lá, pedi a localização do tumulo e veio com conversa que não me convenceu. Estou cobrando a informação dele ainda. Vi que um tio bisavô faz parte das personalidades ali enterradas, fui então andar pelo cemitério atrás do túmulo dele. Acabei descobrindo o tumulo do irmão dele. Triste …. está com a portinhola violada. Muitos ali estão assim, inclusive abrigando pessoas que ali se recolhem `a noite. No fim, com uma certa pressa, precisei ir embora sem conseguir ver se o tumulo do tio-personalidade ainda está intacto. Enfim, os cemitérios realmente estão abandonados.

  8. Uma pena o que está acontecendo com os cemitérios históricos de São Paulo. O da Consolação está uma lastima, com centenas de túmulos violados, sejam imponentes com valor histórico ou simples. Ninguém da uma solução, os roubos continuam e as responsáveis pela manutenção do cemitério dão de ombros. Só posso crer em conivência entre os funcionários e os ladrões.

  9. No Cemitério de La Chacarita, em Buenos Aires, há um monumento a Carlos Gardel, em bronze, ficando numa esquina de uma das alas. O curioso é que ele está sempre com uma flor na lapela de seu paletó… No Cemitério São João Batista no Rio de Janeiro, o túmulo de Francisco Alves está sem o violão de bronze que ficava sobre a lápide que recobre seu túmulo… Isso aí!

  10. Eu lamento muito mesmo, pois adoro passear por este Pere Lachaise paulistano.
    Em algumas comparações de antes e depois dos furtos, até parece um jogo dos 7 erros… Talvez reconhecendo a própria incapacidade é que a Prefeitura planeje entregar a administração dos cemitérios a iniciativa privada, ou quem sabe se o faz propositadamente, só para seguir a infeliz e surrada “moda da privatização”.
    Eu gostaria de saber, entretanto, se não há alguma penalidade para os receptores de sucata que recebam estas peças em seus ferros velhos.

  11. Choque, embora não surpreso, mas triste pela situação com que a ”arte” é tratada. Museu a céu aberto e não tem câmera de vigilância, alarme, nada.

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