Tuffy – o goleiro que o futebol esqueceu

Dizem que no futebol a posição mais ingrata é a de goleiro. Defender as metas de um time pode ser tão delicado quanto lidar com taxas de juros do banco central, qualquer descuido pode ser catastrófico. E ser goleiro significa ser um jogador de dois extremos. Uma sequência de defesas espetaculares pode fazer deste um herói, por outro lado se falhar feio uma única vez, cai em desgraça.

Tuffy (de branco) como goleiro da Seleção Paulista (clique para ampliar).

Esta tão instável categoria de jogador já revelou no passado inúmeros talentos, tanto ou mais que nos dias de hoje. Vimos pisar nos gramados homens como Gilmar dos Santos Neves, Oberdan Cattani, Manga, Félix e Caxambu, só para citar alguns nomes mais conhecidos. Hoje a geração de goleiros consagrados atende pelos nomes de Cássio, Alisson e Ederson, entre outros.

Mas muito antes de todos estes goleiros do passado e do presente sequer pensarem em serem consagrados, um grande jogador de nome e personalidade forte, caráter irrepreensível, e de uma segurança invejável sob as metas já defendia o gol corintiano por aí. Seu nome, Tuffy.

O HISTÓRICO

Tuffy em 1930 (clique para ampliar).

Tuffy Neujm (ou também Neugen ou Neujen) nasceu na cidade de Santos ainda no século 19, no ano de 1898. Apesar de santista não foi no alvinegro praiano que ele começou a jogar bola, mas na extinta Associação Atlética das Palmeiras, aos dezessete anos. Ele ainda passaria por Pelotas, Santos, Sírio-Libanês, Palestra Itália, novamente Santos até chegar em seu grande auge, no Corinthians entre 1928 e 1931.

Era apelidado pela imprensa e pelos seus adversários de Satanás, pelo seu uniforme negro, suas costeletas e por estar algumas vezes com a barba para fazer.

AMIGO E IRREVERENTE

Hoje, com a facilidade de informação que temos a nossa disposição, é muito fácil sabermos de tudo que os atletas fazem. Ficamos sabendo de seus hobbies, escapadas amorosas, de suas baladas indevidas etc. Mas na época em que Tuffy disputava suas partidas isso era muito mais difícil. Fui atrás de alguns fatos curiosos sobre a vida de Tuffy que provavelmente não são conhecidos.

Em outubro de 1931, Tuffy publicou um anúncio de 1/4 de página no jornal “A Gazeta”, um feito bem incomum para um jogador de futebol. No seu anúncio, um apelo para que dirigentes e esportistas paulistas se unissem para auxiliar o jogador Tatu, que até pouco tempo antes deste anúncio, havia defendido a Portuguesa de Desportos e, gravemente doente, teve que abandonar definitivamente o futebol, chegando a passar muita necessidade.

No anúncio Tuffy, com palavras emocionantes, conclamava seus colegas a contribuirem com 10$000 (10 contos de Réis) para ajudar Tatu (apelido do atacante Altino Marcondes). A ajuda, após o apelo, foi grande mas Tatu viria a falecer poucos meses depois, no início de 1932.

Consagrado como um dos grandes astros futebol brasileiro no final da década de 20 e início dos anos 30, o apelido de Satanás também fazia referência não apenas ao uniforme negro, mas também pela forte personalidade do atleta. Em 1927 por não concordar com os rumos do país, Tuffy juntamente com o jogador Feitiço insultou o então Presidente da República Washington Luís. O caso teve ampla repercussão e por alguns meses havia o boato que ambos seriam duramente punidos, mas acabaram absolvidos no início de 1928.

ATOR E EMPRESÁRIO

No ano de 1931, quando estava no auge da carreira e ainda jogava pelo Corinthians, Tuffy, juntamente com outros grandes jogadores brasileiros daquela época, foi convidado a participar de um filme.

Campeão de Futebol

Juntamente com Friedenreich, Ministrinho e Formiga, Tuffy atuou neste filme de ficção que foi o primeiro filme brasileiro onde o esporte era o tema central da trama. O jogador gostou tanto da experiência que pouco tempo depois seria dono de uma sala de cinema.

Penha Teatro, que pertenceu alguns anos a Tuffy (clique para ampliar).

Numa época que o futebol, diferente dos tempos atuais, não deixava nenhum jogador rico, Tuffy resolveu tornar-se um homem de negócios. Após encerrar sua carreira no Corinthians no final de 1931, foi proprietário do cinema Penha Teatro, vendendo depois por razão desconhecida a Antonio Rego Vieira.

O FIM

Note de Falecimento

Em 1935, vitimado por uma pneumonia dupla, Tuffy viria a falecer. A nota acima, publicada no extinto jornal Correio Paulistano em 5 de dezembro daquele ano, dia posterior ao seu falecimento, mostra como ex-jogador era querido não só entre os seus familiares e amigos, mas por esportistas e imprensa.

Como era desejo seu, foi sepultado com a camisa de goleiro do Corinthians, clube onde teve seu auge e que era torcedor. Sua sepultura está em uma das belas quadras do Cemitério São Paulo, no bairro de Pinheiros.

O ESQUECIMENTO

Seu túmulo já teve dias piores. Nas várias visitas que faço ao local desde 2008, já encontrei até lixo sobre a sepultura. Foi assim que o descobri naquele ano, após ir ao enterro de um conhecido, e notar que na foto tumular estava um homem com a camisa do Corinthians. Vendo mais de perto as duas placas colocadas sobre a sepultura descobri que tratava-se de Tuffy.

Clique na foto para ampliar

Meu pai, já falecido, era corintiano e contava muitas histórias sobre Tuffy e outros ídolos da época como Grané e Del Debbio, então sempre soube de suas façanhas em campo, e ao me deparar com seu túmulo ali, sujo e esquecido, fiquei muito emocionado e aborrecido.

Projetado pelo escultor Eugênio Prati, autor de várias obras tumulares no Cemitério São Paulo, o túmulo está bastante deteriorado com alguns de seus adornos já roubados.

Sobre a sepultura, chama a atenção que há apenas duas homenagens: uma feita por sua esposa e a outra feita pelos veteranos do futebol uruguaio. Chama a atenção, para mim, o fato de não haver qualquer homenagem do Corinthians, clube que ele não só defendeu como torcia. Ainda há tempo de se reparar isto.

Clique na foto para ampliar.

Seu túmulo, como puderam ver, é bastante simples e aparentemente ele está enterrado ali sozinho. Entristece saber que quase ninguém se lembra mais deste grande ídolo do futebol brasileiro. Nós não reverenciamos nossos mortos, temos medo e preconceito de ir aos cemitérios, quando na verdade ali é um recinto de paz.

É inegável que este homem contribuiu para o futebol alvinegro tornar-se o gigante que é. Espero que mesmo tardiamente sua morada final receba uma homenagem e melhores cuidados.

Tuffy –  Mais que um goleiro, foi um grande homem.

CURIOSIDADES:

* Em sua época, os goleiros atuavam com suas mãos desprotegidas. Tuffy foi um dos pioneiros no Brasil a jogar utilizando luvas.

** Alguns textos encontrados na internet dizem que Tuffy foi bilheteiro de um cinema no centro. Esta informação está equivocada. Ao sair do Corinthians, em 1931, Tuffy usou suas economias para adquirir o Cine Penha Teatro. Não encontramos referências concretas de que em algum momento ele tenha sido bilheteiro de algum cinema no centro de São Paulo.

*** Outro fato curioso está estampado no jornal Correio Paulistano, na mesma data(!) em que o jornal reportou seu falecimento. Trata-se de um jogo treino entre a Portuguesa e o Clube Libanês. Na escalação do Libanês está o nome de Tuffy como o goleiro (veja imagem abaixo). Apesar de realmente ter atuado como goleiro neste clube após encerrar a carreira oficialmente, o atleta já estaria acamado alguns dias antes de falecer.

Correio Paulistano 5/12/1935
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15 respostas

  1. Grande artigo!!! Papai sempre comentava sobre o futebol (de seu tempo!) e entre os nomes que guardei foi o de Tuffy que na opini’ao dele foi um jogador fantastico!!!
    Grata pela gostosa lembran;a!! (desculpe, teclado falhando)

  2. Uma excelente e primorosa matéria, Douglas.
    Escrita de forma tão tocante, que as lágrimas de emoção foram enivitáveis.
    Também conheci o jogador Tuffy pelo nome e por algumas façanhas, contadas por meu pai, que o admirava.
    Meu pai o tivera como companheiro de clube (nadava pelo Clube Atlético das Palmeira) e ambos tivéramos Tuffy defendendo as camisas de nossas equipes do coração. Meu pai, santista de nascimento e torcedor de coração e eu, corinthiano por opção e por contestação.
    Assim como fez Maria Zelia, aqui fica o meu agradecimento sincero por esta oportunidade de conhecer a história de tão nobre desportista e os meus cumprimentos pelo trabalho de pesquisa, de preservação da história e pelo respeito à memória de um homem de valor.

  3. Era para ter jogado a Copa do Mundo de 1930 se a CBD não tivesse levado os jogadores que atuavam no Rio para a Seleção

  4. Nos meus tempos de garoto, em que Gilmar dos Santos Neves era considerado um dos melhores goleiros do mundo e o foi, ouvi por diversas vezes comentários dos mais velhos a respeito do goleiro Tuffy que tinha sido tão bom ou ainda melhor que Gilmar. Foi bastante oportuno e prazeroso ler e me informar a respeito desta figura de nosso esporte,pena que o clube que defendeu,tenha pouca memória.

  5. Sou corinthiano, e saber que o Corinthians não se preocupa tanto com sua história é deprimente. Tuffy é meu ídolo no gol.

  6. Excelente artigo. Parabéns! Eu colori digitalmente uma foto do Tuffy. Caso queira, te envio por email

    1. Silvio Maziero Junior, sou sobrinho neto do Tuffy, se puder me mandar a foto colorida que fez eu aceito e agradeço.

      1. Perdão pela demora, Luiz! Só vi seu comentário agora! Caraca, que show! Me envie seu email que te mando!

  7. Gosto muito da história do meu time. Tanto que coloquei o nome do meu cachorro de Tuffy. As pessoas que me perguntam o nome dele, não tem ideia do porque. Ao explicar para minha filha de 4 anos, deu vontade de ler um pouco mais sobre o ídolo, daí vim parar nesse site.

    Parabéns Douglas Nascimento, pelo talento e dedicação. Deus te abençoe!

    Próxima parada, Cemitério São Paulo

  8. Parabéns pelo memorial historiográfico a esse cavalheiro chamado Tuffy vindo da sua parte. Infelizmente aqui nessa terra de papagaios ninguém tem o menor valor após a morte, aliás nem em vida nós não temos valor algum.

    Ademais, para exemplificar lembro-me da insólita figura do Moacyr Barbosa Nascimento, mais conhecido como Barbosa daquela mediocre seleção de 1950 que por vaidade e presunção acabou levando um tombo do Uruguai. Como sabe-se alguém tem que pagar o pato pelo erro de gente comezinha e, Barbosa que o conheci lá pelos idos de 1969 acabou sendo o ” mordomo culpado”. Morreu pobre em 2000 e quase ninguém foi ao seu féretro.

    É uma mesquinharia sem precedentes o que fizeram com Tuffy, Barbosa e tantos outros icones desse país.

    De qualquer forma prestemos a eles singela homenagem dedicando-lhes uma simples oração.

    Atenciosamente

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