Chapelaria Paulista

O chapéu já foi um item obrigatório na cabeça dos homens. Não importando se uma palheta barata, um panamá finíssimo ou um elegante feito com pelo de coelho, era raro encontrar alguém com a cabeça descoberta na São Paulo de outrora.

Paulistanos de chapéu na cabeça aguardam trem na Estação da Luz (1914)
Paulistanos de chapéu na cabeça aguardam trem na Estação da Luz (1914)

Para atender a demanda de tantos chapéus, São Paulo contava com incontáveis chapelarias, a grande maioria delas localizada no centro da capital. Havia demanda, muitas cabeças a cobrir.

Contudo, no final da década de 50 o chapéu foi saindo de moda e passou a não ser mais uma peça obrigatória do vestuário masculino. O chapéu começou a ser visto como necessário apenas para se proteger do sol ou em ocasiões de gala. Com o tempo, nem eventos de gala exigiam mais o chapéu.

Divulgação / Correio Paulistano
Anúncio dos chapéus Ramenzoni em 1936

A queda da demanda fechou fábricas e muitas lojas e cada vez mais o chapéu tornou-se um item de nicho. Das dezenas de chapelarias que haviam no centro de São Paulo, passou-se a contar nos dedos das mãos quantas estavam sobrevivendo. Das remanescentes, duas eram das mais famosas e tradicionais da cidade: Chapelaria Paulista e El Sombrero.

Fundada em 1935, a El Sombrero encerrou as atividades abruptamente em 2013, após 78 anos de bons serviços. Com o fechamento, a pergunta que ficava no ar: uma loja a menos melhorará o movimento das restantes ou seria o prenúncio do fim para as chapelarias ?

Foto: Rodrigo Leitão / Divulgação

Não me lembro a primeira vez que entrei na Chapelaria Paulista, mas com certeza lembro muito bem da última em meados de 2014. A loja já não tinha mais o encanto de outras épocas, como na época que meu avô comprava suas boinas e chapéus por lá.

O tapete vermelho que recebia com elegância os clientes que adentravam a loja ainda estava por lá, mas já era um tapete puído, desgastado. Como também já aparentava desgaste a fachada centenária do prédio, que é dos primeiros anos do século 20.

Foto: Divulgação

Por dentro da loja, via-se que o imóvel precisava urgente de melhorias. O forro do teto, daqueles de plástico adornado, descolava-se lentamente. Nos produtos, todavia, tudo sempre muito novo e bem exposto ao cliente, que encontrava por ali não só chapéus, mas também outros itens do vestuário masculino. Há muito tempo a Chapelaria Paulista não vivia somente da venda exclusiva de chapéus.

Por dentro da Chapelaria Paulista
Por dentro da Chapelaria Paulista

Ícone comercial paulistano, a Chapelaria Paulista funcionava desde 1914 no endereço em que foi inaugurada, no número 94 da rua Quintino Bocaiúva, na Sé.

A chapelaria na década de 50
A chapelaria na década de 50

Foi aberta há 101 anos pelo italiano Umberto Zucchi que então fez da nova loja, um símbolo da elegância do paulistano. Fregueses famosos não faltavam e alguns dos clientes mais conhecidos eram figuras como Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Paulo Brossard e Prestes Maia.

Após a morte do fundador, em 17 de maio de 1965, a loja permaneceu na família e passou a ser administrada por seu sobrinho, conhecido como Seu Nini e também por seu filho, Aldo Zucchi. Este último permaneceria firme no comando da loja até 2007, ano em que faleceu, sendo então substituído por sua esposa, Cristina.

Em maio de 2015, uma triste notícia veio ao meu encontro: a centenária Chapelaria Paulista não estava mais aberta. Estranhei, mas achei que poderia ser algo momentâneo, até que um amigo meu informou pelo Facebook que a loja estava vazia e um carroceiro carregava caixas de chapéus vazias.

Teria a loja fechado definitivamente ou apenas para alguma reforma no prédio, que em um século passou por poucas mudanças, inclusive mantendo até fechar suas vitrines e balcões originais.

No dia 15 de julho de 2015 um trágico acontecimento: o teto da Chapelaria Paulista desabou:

Restou apenas a fachada do imóvel (clique para ampliar)
Restou apenas a fachada do imóvel (clique para ampliar)

O telhado, seu madeiramento e o segundo andar do prédio ruíram, despertando a atenção de curiosos que o tempo todo paravam diante do imóvel para ver o ocorrido. Muitos tiravam fotos do prédio, alguns tiravam selfies.

Porém, poucos notaram que bem abaixo da janela central há uma pequena placa e nela é possível ler que se trata de um alvará de reforma.

O desabamento talvez fosse iminente e forçou a loja a sair do imóvel às pressas. O fato é que a fachada aparentemente só não caiu por estar escorada por dentro do imóvel.

Detalhe da fachada (clique para ampliar)
Detalhe da fachada (clique para ampliar)

A ausência de informações oficiais do estabelecimento abre campo para especulações. Não há um cartaz na porta dizendo se fechou, se está em mudança ou se voltará após a reforma descrita na placa. O telefone da loja parece não estar mais funcionando.

Espero que seja um fechamento provisório e que logo a Chapelaria Paulista reabra para bem atender os paulistanos por mais 101 anos. Se fechou definitivamente São Paulo não terá perdido apenas uma loja, mas um importante pedaço de sua história.

Assista abaixo ao vídeo feito por Rodrigo Leitão na Chapelaria Paulista:

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24 respostas

  1. Há uma loja no Brás que eu e minha esposa gostamos de comprar boinas e chapéus.Acho que não é muito tradicional, porém os preços são mais convidativos.

  2. Gosto muito de boinas. Porém, quando passei pela Chapelaria, a aparência não me convidou a entrar.

    Uno-me ao Douglas na esperança de que este marco paulistano não feche as portas.

    Em todo caso, a Chapelaria Plas, na Rua Augusta – ao que me consta – continua em plena atividade e goza de bastante antiguidade também.

  3. Na noite do desabamento havia um pedreiro da equipe de reforma que dormia no local, o homem saiu por alguns intantes para comprar comida e o predio veio abaixo. Por sorte não houveram vitimas.

  4. Pena pelo encerramento de (mais) uma tradição. Seja qual for a próxima ocupação espero que ao menos essa linda fachada seja preservada.

    1. Eric, sabe o que significa o sobrenome Zucchi em italiano? Abóboras, já que abóbora é zucco. Consequentemente, zucchino = abobrinha e zucchini = abobrinhas (como a gente vê nos livros italianos de culinária).

  5. Fui lá, umas três vezes, procurando boinas, bonés especiais. Adoro as coisas que mantêm a tradição de São Paulo, mas, no caso dessa loja, se ainda não fechou, vai fechar. Se uma loja trabalha com um item, que já não é comum e a quantidade de clientes é muito pequena, então, cada um que adentra a loja, tem de ser muito bem tratado. Não é o caso, o atendimento chega a ser um favor e dão graças a Deus se você desiste logo do veio procurar e vai embora.

  6. Marco, essa linda fachada foi restaurada pela Ótimmas obras & engenharia ficou a coisa mais linda se você tiver a oportunidade de passar lá para verificar pode ter certeza que vai valer a pena continua com toda suas características!

  7. Prezados, a loja foi reaberta mas tornou-se Joalheria Paulista. Está linda! Pena que mudou de segmento, pois terei de comprar boinas em outro lugar. Abraços a todos!

  8. Triste ver importantes peças da história desaparecerem assim, mas parabéns pela matéria, especialmente pelo vídeo!

  9. Me lembro bem,as pessoas se vestiam muito bem, eu adorava passear no Parque da Luz,Largo do Paiçandu e Avenida Rio Branco em São Paulo.Saudades daquele tempo!!

  10. Há uma informação que se contadiz. O texto informa que Aldo Zucchi, faleceu em 2007. Logo após apresenta um vídeo com o mesmo datado de 2011. Qual data é a correta/

  11. UMBERTO ZUCCHI meu PADRINHO de BATISMO junto com OLGA MASNAK> Tenho a foto. UMBERTO foi um dos primeiros proprietários da máquina fotográfica alemã ROLEX SANFORNA e tenho centenas de fotos desde meu berço até seu falecimento dia 17/05/1965…Solteirão convicto, deixou sua amada na Itália e voltou apenas uma vez para revê-la. Ela já estava casada… Trouxe como lembrança um busto em mármore Carrara de um a donzela e uma pintura de Da Vinci na ponte de Veneza olhando sua amada chegando com 3 amigas ( sujeita a averiguações…).

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