Curia Metropolitana de São Paulo

Se hoje é difícil explicar para as pessoas como era diferente a região das Praças da Sé e Clóvis Beviláqua, imagina então tentar explicar como eram os prédios que existiam por ali, especialmente nas Ruas Irmã Simpliciana e Santa Tereza. Nessas ruas e algumas vizinhas, haviam construções de todos os tipos e gostos que faziam do centro uma área condensada e de rica arquitetura.

Eram prédios como o Palacete Santa Helena, o Edifício Mendes Caldeira e, menos conhecido, o prédio da Cúria Metropolitana de São Paulo.

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Inaugurado com muita pompa em 22 de abril de 1920, o então novíssimo prédio da Cúria Metropolitana de São Paulo foi projetado e construído pelo arquiteto Abelardo Soares Caiuby. O empreendimento vinha suprir a necessidade de expansão da Cúria, que já existia na mesma rua e que cujas instalações mostravam-se já insuficientes para atender o público e o expediente cotidiano.

Publicidade do escritório dos irmãos Caiuby

Concluído nos primeiros dias do mês de abril daquele ano, o prédio da cúria estava localizado no então número 17  da Rua Santa Tereza. O gasto estimado da obra, na época, foi de 500:000$000 (quinhentos contos de réis).

O imóvel apresentava dois pavimentos, além de um sótão. Na entrada haviam dois pórticos, sendo que um era de uso exclusivo do arcebispo metropolitano e o outro para a população e funcionários da cúria em geral. Ao entrar no prédio as pessoas se deparavam com um hall magnífico e uma decoração de muito bom gosto.

No mesmo hall também encontrava-se um busto, em mármore, de d. Duarte Leopoldo, obra do escultor Tosca e que custou 5:000$000 (cinco contos de réis).

Todos as portas, esquadrias e painéis eram feitos de embuia, em trabalhos executados pela marcenaria dos salesianos de São Paulo. As escadarias que davam acesso ao andar superior eram feitas de mármore. A foto a seguir ilustra um pouco como era o local por dentro.

As escadarias de mármore (clique na foto para ampliar).
As escadarias de mármore (clique na foto para ampliar).

O luxo não estava presente apenas nas escadarias e partes de madeira do prédio, mas também na beleza dos vitrais, todos eles produzidos por uma das mais conceituadas empresas da época, a Casa Garcia.Um deles, considerado o mais interessante, retratava a primeira missa realizada no Brasil, como mostra a fotografia a seguir.

Um dos belos vitrais do prédio, apresentava a primeira missa no Brasil.
Um dos belos vitrais do prédio, apresentava a primeira missa no Brasil.

No térreo funcionavam as principais atividades administrativas do prédio, como a contabilidade, arquivo histórico e eclesiástico, gabinete do procurador e demais escritórios. Havia também neste piso um salão chamado de “sala das associações” que comportavam cerca de 1000 pessoas. Já no piso superior, acessível pelas escadarias da foto que mostramos anteriormente, funcionavam a biblioteca da cúria, a sala do secretário particular do arcebispo, o gabinete do arcebispo e também sua sala de repouso.

O FIM:

Mesmo com tanta riqueza, luxo e beleza, o edifício não teve uma vida muito longa. Sua curta existência foi de 54 anos, o que é muito pouco para uma construção de tamanha importância.

No ano de 1974 o destino do prédio da Cúria Metropolitana e de vários de seus vizinhos foi sacramentado pelo então Prefeito Miguel Colassuono que determinou a demolição do imóvel em caráter de urgência, bem como seus vizinhos localizados na Rua Irmã Simpliciana, para a utilização do espaço como um canteiro de obras do metrô.

Rua de Santa Tereza, com destaque para o edifício da cúria à esquerda
Rua de Santa Tereza, com destaque para o edifício da cúria à esquerda

Apesar disso, não se tratava de uma desapropriação, mas de uso temporário do espaço, cujo terreno seria (e foi) devolvido à cúria com a conclusão das obras do metrô paulistano.

À época, o caso despertou a ira de muitos defensores do patrimônio histórico paulistano, preocupados com o fim de uma construção de tamanha importância para o centro da capital. Estes procuraram a administração pública que não se sensibilizou com o apelo.

O IPHAN chegou a ser procurado como uma última alternativa de defesa do prédio, mas o órgão não podia fazer nada para salva-lo. Na época São Paulo era uma dos poucas capitais que não tinha convênio de trabalho com o IPHAN, o que inviabilizou uma ação do órgão em defesa do imóvel. Assim, ainda no primeiro semestre de 1974 o belo prédio da Cúria Metropolitana de São Paulo desapareceu.

Houve planos para a construção de um novo edifício por parte da Cúria no local mas até hoje nada foi feito, e desde então há uma grande área vazia esperando por uma nova destinação. Era o começo da decadência da região das praças da Sé e Clóvis, que hoje sofremos tanto para revitalizar.

São Paulo é sempre vítima de seu maior algoz: o governante.

Saiba mais sobre alguns imóveis que ainda existem neste quarteirão:

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17 respostas

  1. Aliás, falou em demolir imoveis, faou com o pessoal certo: a Igreja. Não preservam nada. Pelo contrário, incentivam as demolições para ganhar dinheiro com novas construções ou venda de terrenos.

    1. Ralph, não foi a Igreja quem demoliu, mas o “então Prefeito Miguel Colassuono que determinou a demolição do imóvel em caráter de urgência”. O algoz foi o governante.
      Pelo que me consta, a Igreja tem a tendência a construir, ampliar e preservar, como ocorre com diversas matrizes e catedrais. Visite Aparecida e a Catedral da Sé.

      1. Na verdade vocês dois tem razão…

        De um lado a igreja preserva algumas de suas construções, como Aparecida.
        Por outro lado, deixa algumas coisas apodrecerem, chantageando o poder público por verba para restauro, como o prédio da Mitra que está apodrecendo ao lado deste que foi demolido pelo Prefeito Colassuono. Se tem uma coisa que a igreja não é quando se fala em patrimônio histórico, é santa.

        A Igreja da Freguesia do Ó está escorada para não cair e não vejo chegar 1 centavo da cúria ou de Roma para o restauro. Mas há igrejas na Europa e nos Estados Unidos sendo restauradas com verba de Roma, sem ajuda de entidades governamentais. Mas no Brasil é tudo sempre uma festa.

        Abraços!

        1. Não esqueçam da demolição absurda, nos anos 50, do então Palácio do Governo para a grosseira reconstrução do antigo Colégio, também por pressão da Igreja.

    2. É difícil se referir à Igreja como um todo no que tange à administração de imóveis pois, ao contrário do que quase todo mundo pensa, a estrutura administrativa da Igreja católica é extremamente descentralizada (ao contrário das questões de fé, aí sim, onde – grosso modo – há uma forte centralização em Roma). Vou tentar explicar brevemente como funciona:

      Cada Diocese (ou Arquidiocese, ou seja, uma determinada extensão territorial, com suas igrejas e seu clero, governadas por um Bispo ou Arcebispo) situa-se como uma entidade autônoma juridicamente, às quais estão ligadas suas igrejas, paróquias e algumas outras instituições como colégios, obras de caridade, etc, como filiais são ligadas a uma sede matriz. Em geral, pequena parte do patrimônio da Diocese/Arquidiocese está ligada à administração direta da Cúria diocesana/metropolitana; no caso, a própria Cúria, seminários diocesanos, alguns prédios de finalidade civil, às vezes a igreja Catedral. Todo o restante está confiado às respectivas paróquias, que cuidam de suas igrejas e capelas, casas, carros, salões de festas e outros edifícios, além da manutenção de funcionários e do próprio padre.
      A Cúria, como normalmente não tem renda própria ou esta não é suficiente, tem seus gastos diretos saneados sob a forma de rateio entre as paróquias, que transferem uma parte de sua renda para a manutenção da Cúria.

      Ou seja, aqui já podemos perceber que é um mito grotesco essa ideia de que as igrejas arrecadam montanhas de dinheiro e enviam ao Vaticano, ou o contrário, que o Vaticano envia milhões e milhões de euros a cada igreja ao redor do mundo. Apenas em ocasiões específicas são realizadas coletas especiais que são enviadas a Roma, dinheiro este que é redistribuído às regiões mais pobres do mundo, atingidas por desastres naturais, guerras, fome, e também para a manutenção da atividade missionária nesses lugares.

      Entendendo esse mecanismo, chegamos ao problema da manutenção de templos e outros prédios históricos. Como a grande maioria deles está ligada à paróquia local, o montante disponível para seu cuidado ou eventual restauro dependerá da situação financeira local. Se é uma paróquia com grande movimento de fiéis, e estes têm condições de colaborar, a situação poderá ser mais estável, o que favorece a conservação do templo. Porém, cuidar de prédios não é a atividade primordial da Igreja, que precisa cuidar também do atendimento aos enfermos, da educação religiosa das crianças na catequese, do atendimento espiritual dos fiéis, e para tudo isso, da manutenção do clero. Ou seja, quando o orçamento é pequeno, o templo inevitavelmente irá sofrer, pois é impossível despender esse dinheiro renunciando à atividade religiosa, que é o principal objetivo da Igreja.

      A situação fica especialmente complicada no caso de prédios históricos, cujo custo de restauração e manutenção é extremamente alto, como todos sabem. Além disso, muitos desses templos estão em bairros antigos, com poucos moradores, o que implica menor afluência de fiéis naquela igreja. Outro problema é um certo preconceito que muitos padres sofrem ao buscar recursos para o restauro de igrejas históricas, tombadas pelo patrimônio histórico, mas que não recebem recursos por se tratar de templo religioso (como se isso retirasse do edifício sua importância histórica). Um triste exemplo que posso dar é o conjunto do Convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca, aqui no Rio de Janeiro: com seus cerca de 400 anos de história não consegue dinheiro para concluir o restauro. E evidentemente não tem recursos próprios, pois se encontra na região central da cidade, quase sem moradores.

      Por fim, é necessário fazer um mea culpa: muitos “crimes” foram cometidos contra o patrimônio histórico da Igreja ao longo dos séculos, algumas questões discutíveis, alguns fatos ainda acontecem, mas sobretudo no período das décadas de 1960-1980. De fato, a Igreja não ficou indiferente à crise cultural que levou abaixo inúmeros edifícios, e da mesma forma muitas obras de arte foram levadas abaixo para a construção de novos e moderno templos, muitas vezes de gosto duvidoso. E até hoje, como em todos os setores da sociedade civil, ainda existem padres que pouco se importam com a preservação do patrimônio. Infelizmente, temos que conviver com isso também na Igreja, e cuidar para que não aconteçam esse tipo de tragédias.

      PS: perdoem-me se me alonguei demais, mas acredito ser necessário explicar essas situação, de modo a colaborar também para a preservação do patrimônio histórico. Autorizo a reprodução desse texto, se julgarem conveniente.

  2. Você escreveu “Houveram planos para a construção de um novo edifício por parte da Cúria…” e a maneira correta é “Houve planos para a construção…”.
    Sou leitor assíduo das sua excelentes publicações, parabéns.

  3. Inacreditável. É o mínimo que se pode dizer sobre isso.

    O terreno está lá, vazio. A memória urbana também. Só a reconstrução do prédio pode reparar o erro.

  4. O que mais revolta é a demolição por nada… Um terreno vazio, deixou um buraco enorme na nossa História. Acorda Brasil.

  5. Douglas, uma correção. O Iphan é um órgão federal que tem competência para agir em todo o território nacional, não havendo necessidade de convênios com autoridades locais, seja estaduais seja municipais.

    Se quisesse, o Iphan poderia ter aberto o processo de tombamento e preservado a Cúria. O caso é que nos anos 1960 e 70 a postura das autoridades preservacionistas era de completo desprezo pelo estilo eclético, usado no Brasil de 1890 a 1930, grosso modo.

    A justificativa (que vinha do modernismo, cujos arquitetos fundaram o Sphan) era que o ecletismo foi um grande erro, a cópia sem criatividade de estilos históricos europeus e que por isso não merecia ser preservado.

    O Sphan (depois Dphan e depois Iphan nos anos 1970) preservava o colonial e o neoclássico do Segundo Reinado, mas não o eclético.

    Por isso o Iphan se recusou a preservar a Cúria, não porque não pudesse agir.

    A preservação do eclético começou pelos órgãos estaduais e municipais nos anos 1980 e 90, e apenas no século 21 chegou fortemente ao Iphan.

    Nos anos 1970, edifícios como o Palácio Monroe no Rio, o Parque Balneário Hotel em Santos e o Palacete Santa Helena em São Paulo (além das mansões da Avenida Paulista, entre outros) vieram abaixo com a anuência tanto do Iphan quanto, no caso paulista, do Condephaat, todos “ecleticofóbicos”.

    A mentalidade mudou e hoje se lamenta muita toda essa destruição…

      1. Em Belo Horizonte no fins dos anos 70 e 80 chamado período bota abaixo, muita coisa, mas muita mesmo se perdeu, foram demolidos sem dó ou piedade!!!

    1. Desde o final do século dezenove(XIX) e ínicio do do Vínte (XX), a politica do Bota Abaixo o Patrímonio dos edificios religiosos católicos, que eram verdadeira obras de arte ao céu aberto foi colocado abaixo com o coluio de politicos, religiosos, empresário interessados. Quando olhamos a documentação arquitetônica em torno da da nova Sé, percebemos todo o Patrimônio que foi colocado abaixo, A Sé antiga, a Igreja de São Pedro dos Cléricos, a Igreja do Rosário, a Igreja dos Remédios, teatros, o Palácio Episcopal, só para relembrar o período do atentado a história da construção do Bispado de São Paulo , ocorreu entre os anos de 1889 até 1910, principalmente no período em que: Com exceção de um breve período tumultuado no Brasil Império, o cargo foi inaugurado com uma eleição indireta realizada pelos integrantes da Câmara Municipal em 1899: foi escolhido como prefeito o conselheiro Antônio da Silva Prado, o vereador mais votado nas eleições anteriores.[1] O processo de escolha indireta com votação anual continuou até 1907, quando foram realizadas as primeiras eleições diretas para a prefeitura de São Paulo.

  6. Alto nível a maioria dos comentários, bem como dos textos. Eu sou do RJ, a qual deveria, desde sempre, ter sido tratada como uma cidade histórica e, jamais, o foi…demoliu-se sem parar, poucas Igrejas sofreram em particular de destruição…mas prédios históricos, ruas históricas…enfim… é patente que o RJ deveria ter sido preservado como cidade histórica, posto que foi capital do Brasil, praticamente do início até 1960 com a inauguração do mau gosto em concreto chamado Brasília…mas, tem método tudo isto, quando olhamos com seriedade e imparcialidade da história do Brasil, sem as bravatas e ideologizações que são o ‘padrão’, entendemos que o único país em si do Novo Mundo é o Brasil, nem os norte americanos o são, talvez poderia ser o México…mas…o Brasil é uma nova civilização, com erros e acertos, mas com perfil cultural distinto do mundo…tanto que todas as teorias estrangeiras, sobretudo em ‘ciências sociais’, não conseguem e jamais conseguirão explicar o Brasil. Daí que, as destruições físicas (patrimônio histórico inclusive) foram deliberadas, junto com a desinformação, para tentar nos tirar o espírito. Deu tudo errado, e dará sempre…cada vez mais pessoas estão interessadas no passado e no futuro, por não entenderem o presente…o Brasil ou será grande, ou não será nada, como já dizia Manoel Bomfim…como o Brasil não acabará, será grande, porque grandemente fomos nos forjando. Aliás, com a queda terrível da Europa, somos um dos poucos povos em si no mundo. Somos o único povo, verdadeiramente, multicultural do mundo.

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