Santo Amaro, na zona sul da capital paulista, já foi um município. A história da cidade que virou bairro começa com o Padre São José de Anchieta, que vindo de São Paulo de Piratininga observou que a região, com alto número de colonos e muitos índios catequizados tinha potencial para ser um povoado. Surgiria assim uma capela e o princípio de Santo Amaro.
Algum tempo depois, em 1680, seria elevada a paróquia e em 1686 a freguesia. Em 7 de abril de 1833 Santo Amaro se tornaria oficialmente um município e assim permaneceria até 1935, quando foi anexado à Cidade de São Paulo.

Mapa de Santo Amaro no início do século 20.
E por ter sido um município independente, Santo Amaro tinha em seus domínios territoriais tudo aquilo que uma cidade costumava ter, como Igreja Matriz, Câmara Municipal, escolas, teatros, matadouro e, evidentemente, um cemitério. E como Santo Amaro passou a ser um bairro de São Paulo, seu cemitério tomou da Consolação (inaugurado em 1858) o título de cemitério público mais antigo(*) de nossa cidade.
(*) O cemitério mais antigo de São Paulo é particular e trata-se do Cemitério da Colônia, que já abordamos aqui.
Inaugurado em 1856, o Cemitério de Santo Amaro foi construído para cumprir um decreto imperial, a Lei Régia de 1 de Outubro de 1828, elaborada por d.Pedro I. Esta lei determinava a proibição de sepultamentos dentro das igrejas, pois com o tempo essa prática fazia com que muitas das igrejas ficassem com ares irrespiráveis, com o odor da decomposição vinda dos restos mortais dos falecidos, colocando em risco a saúde pública.
O primeiro sepultamento só ocorreria no ano seguinte, em 5 de janeiro de 1857. O túmulo do primeiro enterro não foi preservado e não existe mais. Foi nomeado como primeiro administrador do cemitério o Sr. Adolfo Pinheiro, que hoje é nome de uma das principais vias da região de Santo Amaro.
Apesar de hoje ele não fazer parte de nenhum roteiro turístico e estar com muitos túmulos mal cuidados, é um cemitério de grande importância histórica, especialmente para os santamarenses. Estão sepultados ali personalidades importantes da história local e até do Brasil, como o poeta Paulo Eiró, o Comandante José Foster (herói da Guerra Cisplatina) e o escultor Júlio Guerra (escultor do Borba Gato), além de ex-prefeitos de Santo Amaro e pioneiros da região, especialmente da colônia alemã.
Porém, nenhum sepultado do Cemitério São Paulo hoje é tão famoso e visitado como o célebre Bento do Portão, morador do bairro que tornou-se um santo popular.
Nascido na Bahia, Antonio Bento, ou Bento do Portão como era conhecido, era uma pessoa bastante querida pelos habitantes de Santo Amaro, tanto pela sua bondade como pela sua dedicação e esforços de trabalho. Pobre, teria recebido este apelido porque sempre que lhe ofereciam comida sentava-se nos portões das casas para comer ou no próprio portão do cemitério.
Bento do Portão faleceu em 1917 aos 42 anos de idade. Foi encontrado morto bem próximo à entrada do cemitério por Isabel Schimidt, sendo sepultado com a ajuda dos moradores da região no próprio cemitério de Santo Amaro.
A lenda dele como santo popular começaria 5 anos depois de sua morte, em 1922, quando uma senhora doente, cujo médico já havia dito que teria que ter uma de suas pernas amputada, devido a uma grande doença, fez um pedido a Bento do Portão, tendo sido logo atendida.
Este milagre teria percorrido não só a pequena Santo Amaro mas espalhado por outras regiões e logo o túmulo de Bento do Portão virou local de peregrinação. Com o tempo, muitas outras pessoas receberam milagres atribuídos a ele e passaram a colocar placas agradecendo as graças recebidas.
Hoje, o túmulo de Bento do Portão é um local de culto onde todos os dias são encontradas pessoas rezando, pedindo uma graça ou agradecendo a alguma conquista. Em 2002, na gestão da Prefeita Marta Suplicy, o túmulo recebeu uma reforma e ainda uma cobertura, para que fiéis possam ficar protegidos do sol e da chuva.
O Obelisco
Outra coisa que chama bastante a atenção neste cemitério é o curioso obelisco que existe lá dentro. O símbolo, é uma espécie de túmulo celebrativo, que homenageia em um cemitério algum falecido que está em outra localidade.
Erguido em 1901 pela colônia italiana de Santo Amaro em terreno do cemitério cedido pela câmara municipal local, o Obelisco de Santo Amaro é uma homenagem ao rei italiano Humberto I. Conhecido também como “Rei Bom” foi assassinado com três tiros, pelo anarquista Gaetano Bresci durante uma visita à cidade italiana de Monza.
Seu assassinato causou consternação não apenas na Itália mas principalmente no Brasil que já possuia uma forte e influente colônia de italianos. Assim, pouco depois da morte do rei a colônia se mobilizou para realizar uma homenagem ao falecido, que culminaria na construção do obelisco, hoje uma das principais atrações do cemitério.
Apesar de ser uma necrópole com sua maioria de sepulturas dotadas de arquitetura bastante simples, o Cemitério de Santo Amaro também é um local bastante interessante para os apreciadores da arte tumular. Embora numa quantidade bem menor do que cemitérios mais famosos, como Araçá e Consolação, há esculturas muito bonitas e preservadas, como a da foto anterior, uma das mais belas do local.
Pelo cemitério há também espalhadas algumas belas obras do escultor Júlio Guerra, como o busto abaixo.
Muitas das sepulturas são do século 19 e estão bastante deterioradas, tornando em muitos casos bastante difícil a identificação dos sepultados. Entretanto, um dos túmulos que nos chamou bastante atenção é do século 20 e mostra a figura de um ciclista.
Karl Czernik é um ciclista que está sepultado no Cemitério Santo Amaro e que cujo histórico não conseguimos encontrar. Falecido em 1949, aos 25 anos de idade, ele era membro do Ciclo Club Galileo, entidade que não conseguimos até o momento nenhuma informação. Falecido com apenas 25 anos, o grande ciclista Karl Czernic, veio a óbito enquanto disputava a Volta do Interior em Campinas, após ser vítima de um mal súbito.
Em acervos de jornais a única informação também que este atleta foi o grande vencedor do Torneio Extra, prova ciclística realizada em 1946. Gostaríamos muito de maiores informações sobre o Ciclo Club Galileo, quem tiver algum dado a respeito entre em contato conosco.
Por fim, outra coisa que chama bastante a atenção no Cemitério de Santo Amaro é que muitas das sepulturas locais são decoradas com pedrinhas retiradas de fundo de rio. Hábito pouco comum nos demais cemitérios paulistanos, neste aqui é bastante corriqueiro. Observe o entorno da cruz na porção inferior do túmulo na foto a seguir (e também a primeira foto da galeria no final deste artigo).
Quando estiver pelos lados de Santo Amaro, reserve alguns momentos para conhecer o cemitério local. Lembre-se, o cemitério não precisa ser apenas um local de tristeza, pode ser também um local de aprendizado histórico e de grande valor cultural.
Veja outros túmulos deste cemitério (clique na foto para ampliar):
Cemitério de Santo Amaro
Rua Ministro Roberto Cardoso Alves, 186 – Santo Amaro
São Paulo – SP
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