Sobrados de 1898 – Largo Coração de Jesus

Um dos bairros centrais mais antigos de nossa cidade, Campos Elíseos tem um grande número de construções de grande valor arquitetônico, muitas delas originárias do século 19, principalmente em suas duas últimas décadas.

Bastante descaracterizado nos últimos anos, especialmente pelo gradil que se construiu em seu redor, o Largo Coração de Jesus além de ter sido o ponto de encontro do bairro por décadas, teve sua praça como uma das mais elegantes de São Paulo.

É neste largo que encontramos esse magnífico conjunto de sobrados geminados:

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Construídos em 1898, esses sobrados formam um dos mais belos conjuntos de edifícios antigos que sobrevivem as adversidades do bairro.

Década de 80

Eles servem bem para ilustrar o quanto Campos Elíseos deteriorou-se nas últimas décadas, sob olhos coniventes e incompetentes das autoridades estaduais e municipais. Aquele que foi o primeiro bairro genuinamente de elite da capital paulista, hoje vive a mercê da falência do estado e do município quanto a ações realmente concretas de recuperação social e urbanística do bairro.

Atualmente as únicas iniciativas de sucesso na revitalização do bairro advém de instituições privadas, essencialmente do Sesc e, principalmente, da Porto Seguro.

A foto acima, de meados da década de 1980 já mostra o bairro deteriorado, entretanto na fotografia abaixo, de 1928, é possível ver o quanto o Largo Coração de Jesus era diferente. Para se situar na imagem, o casario deste artigo é o que está na parte inferior da imagem.

1928x

Originalmente de uso exclusivamente residencial, aos poucos os imóveis foram sendo adaptados para novas utilizações com o passar dos anos.

Notadamente no imóvel de número 67, os porões foram transformados em pontos comerciais, alterando sensivelmente a fachada ao nível da rua. Os andares superiores até o presente momento foram preservados.

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E esta preservação tanto dos andares superiores, tanto na fachada quanto em seu frontispício é que mantém este conjunto arquitetônico como uma das mais importantes preciosidades do bairro. Observem na foto abaixo os detalhes do frontão:

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Mesmo sabendo que esses imóveis estão tombados como patrimônio histórico de São Paulo, é notório que o estado de conservação não é dos melhores. Fica evidente que a política pública não só é ineficaz para o bairro quanto a situação de moradores de rua e usuários de drogas como também aos prédios centenários que estão na região.

Este conjunto mostrado na fotografia acima pertenceu ao já falecido imigrante português Isolino Gomes Torres. Segundo seus herdeiros ele foi adquirindo os imóveis aos poucos, até que adquiriu a última parte, onde fica a cúpula, em um leilão da Santa Casa de São Paulo em meados dos anos 1970.

Abaixo um pouco de como o imóvel é por dentro:

Apenas uma fração do conjunto é de outro dono:

De todo o conjunto de 1898, apenas o de número 65 não pertence a família de Isolino Gomes Torres. Pertencente ao Liceu Sagrado Coração de Jesus, esta fração apresenta-se restaurada e bastante preservada. Entretanto, ao ser reformado, quebrou a harmonia visual do conjunto. Este tipo de ação deveria, obrigatoriamente, ser feito no conjunto inteiro.

Foto: Douglas Nascimento / São Paulo Antiga

Na foto acima é possível notar uma tendência de restauro que julgamos aqui como um considerável malefício. A pintura em tons não compatíveis com a época da construção, a remoção das venezianas originais (curiosamente preservadas no número 67, cujo imóvel é menos preservado), optando por janelas mais adequadas para o fim comercial do imóvel.

Imóveis geminados, que originalmente e por quase toda sua existência permaneceram no mesmo estilo e cor, não devem ter suas cores alteradas parcialmente. A autoridade pública responsável pela preservação arquitetônica, seja Conpresp ou Condephaat, precisa coibir estas mudanças.

Veja mais fotos deste conjunto de sobrados (clique para ampliar):

ATUALIZAÇÃO – 18/02/2019:

Imagens antigas do Largo Coração de Jesus são razoavelmente difíceis de se encontrar, entretanto recentemente apareceu esta fotografia abaixo mostrando o local em 1977. É bem interessante ver a região antes de ser tomada pelo tráfico e consumo de drogas e a praça sem todo aquele gradil que a transformou em uma jaula urbana.

Ao fundo o conjunto de sobrados de 1898. Será que algum dia teremos essa imagem pacata de volta ?

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10 respostas

  1. Lembranças afloradas, agora, dos tempos que ouvia as estórias dos antepassados sobre a riqueza dos Campos Elíseos, notadamente quando se referiam também ao palácio do Governador Ademar de Barros….Quando cursava Pedagogia, meus avós comentavam sobre as idas de professoras no local para ver se conseguiam “cadeira” não tão distante de suas residências! Belo trabalho Douglas, apenas lastimável pela incompetência geral dos responsáveis pela preservação. Está para nascer ainda o alcaide que conseguirá tirar os adictos e moradores de rua!

  2. Tudo isso o paulistano deve exigir que seja reformado no original, e, poderão ser usados como algum órgão público em vez de pagarem aluguel para certas repartições.
    Dinheiro o Estado de São Paulo e a prefeitura tem. O que não tem é boa vontade.
    Imaginem que a prefeitura quer demolir todos casarões antigos com tanta beleza arquitetônica no bairro Santa Efigênia e Luz, por causa dos viciados que ali estão!…
    Tomara que isto nunca venha se concretizar.

    1. Aqui no Brasil é assim mesmo… se as folhas de uma árvore estão entupindo as calhas de uma casa, em vez de cortarem os galhos da árvore, as “nossas otoridades” preferem meter o trator na árvore e derruba-la inteira.

  3. Na foto dos anos 80 é possível ver uma criança brincando tranquilamente na rua. Na época os Campos Elíseos não tinham se convertido na nefasta Cracolândia.

  4. Detalhe que vendo as fotos de 1928 e de 1977, dá pra ver que o conjunto tinha mais uma casa, demolida em algum momento dos anos 80 pra dar lugar a aquele salão comercial sem graça que aparece ao lado do sobrado restaurado.

  5. Parabéns Douglas. Sou policial militar, e sou testemunha desse absurdo abandono do local.

  6. bom… por partes… A recupercao das venezianas, eu nao vejo tanto mal assim. Entendo que a original daria uma ar de autenticidade a restauracao, porem….

    Estas venezianas eram originalmente fabricadas em Peroba, e conseguir esta madeira para reproduzir o desenho original torna-se quase impossivel. Isto sem contar que as venezianas originais ( shutters ), sao dificeis de se manter, e o desdobramento destas sempre comprometia a entrada de luz natural.

    A ideia de se umar uma armacao de emolduramente ate que nao foi mal, pois conferiu uma certa leveza ao conjunto da fachada. Notem que acima das janelas ha um emolduramento de alto relevo ( Spandrel + Lintel ), na fila de janelas do ultimo andar, preservado em sua integridade. Isto quer dizer que o proprietario fez o melhor possivel para renovar o edificio fazendo o melhor em preservar a autenticidade arquitetonica, dentro dos recursos disponiveis.

    O que me surpreendeu e que a moldura interior dos comodos ( Crown Molding + Medallion ), continua intacta. Novamente ponto para o projeto de restauracao. No terreo a porta de garagem da uma praticidade ao uso do imovel. As imitacoes de coluna (Fluting ), no ultimo andar , guarnecendo o canto das paredes frontais foram mantidas, o que preenche bem o andar, e o confere um destaque maior em relacao ao resto do conjunto.

    No andar inferior a moldura de janelas Palladinas contrasta com as janelas do andar superior, ate ai tudo bem. …..porem ai cometeu-se um erro, ao se eliminar os detalhes em alto relevo que as destacavam ( nisto de acordo, foi uma assassinio de caracter ).

    O padrao em pedras no terreo foi preservado, presume se estrutural ( Buttress ). Ponto positivo.

    Me parece que deletaram o padrao do frontispício , o que se, nao comprometeu o conjunto, assim mesmo o destituiu de sua caracteristica original.

  7. Qual será o futuro destas construções, que pelo que sei são tombadas, no tal plano de “revitalização” da região? nesse quarteirão e no quarteirão vizinho, diversas construções (Aquelas em ruínas, totalmente descaracterizadas ou sem relevância histórica) já foram ao chão, e outras (As mais conservadas, pois todas em algum grau foram descaracterizadas pontualmente, incluindo estas do artigo) permanecem emparedadas, o que as faz bem mais vulneráveis a invasões e “acidentes” como incêndios ou destruições (Uma vez que, desocupadas, não há existência de moradores “formais” no local, o que de certa forma inibe invasões). O plano é deixar essas construções “tombarem” literalmente? Ouvindo as recentes notícias de que o Liceu vai fechar sua escola (Vai manter outras atividades funcionando, mas ainda assim é algo péssimo para a região), ficamos muito desesperançosos quanto a qualquer melhoria no local…

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