Muitos podem estar se perguntando o porque de atravessarmos os limites do Estado de São Paulo. Mas o pedido de muitos de nossos leitores, moradores dos vizinhos Rio de Janeiro e Minas Gerais são tão importantes que não poderiam deixar de ser atendidos. Enquanto iniciativas similares ao São Paulo Antiga não surgem nessas localidades vamos, na medida do possível, atender a estes pedidos com muito prazer e dedicação.
Viajamos até o município fluminense de Piraí para falar do já lendário abandono de um dos mais belos e talvez o mais bem localizado monumento brasileiro: O Monumento Rodoviário
De todos os locais que o São Paulo Antiga já catalogou, o Monumento Rodoviário é de longe um dos que mais causam indignação por seu estado de conservação. É daqueles exemplos claros de desrespeito a história do Brasil e à nossa memória. E também uma evidente mostra do despreparo de autoridades e da concessionária local que deixam de lucrar um valor considerável em turismo, além de tirar do cidadão e contribuinte o direito de contemplar a vista maravilhosa e única que o local possui.
Vamos ao histórico local:
A década de 20 foi marcado pelo início da abertura de grandes veias rodoviárias pelo país. O transporte até então predominantemente ferroviário começava, de maneira tímida, dar os primeiros passos rumo sua substituição infeliz pelas rodovias.
Assim, em 5 de maio de 1928 foi inaugurada a primeira ligação rodoviária entre as cidades do Rio e de São Paulo, pelo então Presidente da República, Washington Luís.
Foi mais ou menos nesta época também que começou-se a idealizar a construção de um grande marco na Serra das Araras para simbolizar o grande salto rodoviário que o país almejava. E, em 18 de maio de 1926, em uma iniciativa do Touring Club do Brasil, iniciou-se a construção do Monumento Rodoviário.
Inaugurado em 1938, o Monumento Rodoviário é uma majestosa edificação, com uma área de mais de 54 mil metros quadrados de área construída, às margens da mais importante rodovia brasileira, a Presidente Dutra.
Projetada pelo arquiteto arquiteto Raphael Galvão e com a participação dos engenheiros Chagas Doria e Christiani Nielsen, foi planejada para ser um ponto de observação turística e área de descanso para viajantes. Desde que foi inaugurado o monumento contava com um amplo restaurante, o mirante e área de lazer que fazia da área o ponto mais divertido da viagem entre a então capital federal e a capital paulista. Em seu interior existiam grandes painéis Cândido Portinari, e na porção externa ainda existem os oito painéis de baixo relevo de Albert Freyhoffer.
Em 1978 mesmo sendo de tamanha relevância como ponto de descanso e atração turística o local foi desativado e fechado. Desde então o Monumento Rodoviário entrou em um lento e progressivo processo de deterioração que até hoje não foi interrompido, tornando-se um monumento da vergonha.
O MONUMENTO RODOVIÁRIO ATUALMENTE:
Atualizado em 06/04/2018
Ao chegar no monumento somos tomados por um sentimento de revolta. O dia lindo e ensolarado é um convite para estacionar e observar a vista magnífica da Serra das Araras. No local, fora um cone de trânsito, não há o que explique o que é o lugar para quem não o conhece ou se o local está ativado ou não. Uma corrente de material plástico repousa sobre o chão da rampa. Resolvemos entrar.
A primeira sensação é de um local deserto, fruto das mais de três décadas de abandono. O primeiro reflexo do descaso é o belo jardim da foto lá no início do texto, com seu espelho d´água completamente seco e largado, como mostra a foto a seguir.
Caminhando um pouco mais, chegamos até a entrada principal do monumento, que estava fechada com corrente e cadeado. Mas, para nossa surpresa, a entrada do restaurante no fundo do monumento, não só estava destrancada como estava totalmente escancarada, por onde foi possível entrar.
Dentro do imóvel o cenário é desolador. A magnífica construção em art déco está completamente largada, com muita ferrugem, focos de infiltração, vidros e vitrais quebrados e muitos pisos e azulejos soltos e destruídos. Como não estava trancado, muitos já adentraram e picharam paredes e até urinaram e defecaram no chão fazendo com que o ar, em alguns cantos do imóvel, naquele dia de calor, fosse irrespirável. O abandono somado ao silêncio faz com que o local pareça um lugar onde todos fugiram às pressas e nunca mais voltaram.
Voltando a área externa, foi possível admirar os belíssimos painéis que adornam as laterais do monumento. São oito cenas (veja foto de todos no final deste artigo) que apresentam a evolução do transporte através do tempo, desde um índio abrindo caminho na mata até um carro da década de 30, passando por liteira, carruagem e carro de bois. Muitos dos painéis estão bem deteriorados, com rachaduras que percorrem de ponta a ponta a obra, além de alguns pedaços faltando no painel da carruagem. Se houver demora na recuperação a obra artística poderá perder-se para sempre.
A tristeza do abandono do Monumento Rodoviário contrasta bastante com a beleza incansável do cenário local. Mesmo nas condições atuais o local poderia estar aberto a visitação na área externa, para que as pessoas possam ao menos por uns instantes contemplar a paisagem.
O que mais revolta é o fato que, apesar das grandes arrecadações de pedágio, nada foi feito pela concessionária Nova Dutra, que devolveu o local histórico à União sem qualquer reparo ou recuperação. O descaso foi tão grande, que em 2010 o Ministério Público Federal (MPF) passou a cobrar da concessionária a recuperação do local. Segundo o Procurador da República, Rodrigo da Costa Lines, a empresa desrespeitou o contrato de concessão ao devolver o local sem a conservação adequada.
O MPF ainda determinou que fosse apresentado um plano de recuperação do Monumento Rodoviário pela concessionária, além do pedido de tombamento a nível federal (o local é tombado como patrimônio do Estado do Rio de Janeiro). Passado quase três anos, nada foi feito.
A concessionária não respondeu aos nossos questionamentos enviados por email. Entretanto, de acordo com reportagem do portal G1 publicada em 2016, a Nova Dutra alega que o local não faz parte do pacote de concessão e que não está prevista a preservação da área por parte deles. Ler isso de uma empresa que arrecada milhões de reais em pedágios a décadas mostra o nível de desrespeito da parte deles.
É preciso leis severas para se punir o descaso com o patrimônio histórico nacional. Como é possível permitir que uma empresa lucre com pedágios sem tomar uma atitude para recuperar um local tão importante ? Fica à Nova Dutra a pergunta para ser respondida.
Galeria – Área externa do monumento (clique na miniatura para ampliar):
Galeria – Painéis da fachada (clique na miniatura para ampliar):
Galeria – Área interna (clique na miniatura para ampliar):
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