As origens da Vila Itororó confundem-se com a história das artes cênicas da cidade de São Paulo: O Teatro São José. Este foi um imponente teatro de nossa cidade (o segundo com este nome), que ficava onde hoje está o edifício do Shopping Light , e que em outubro de 1920 foi vendido por seu proprietário para The São Paulo Tramway Light & Power.
Após o trágico ocorrido, apenas as paredes e decorações externas como colunas gregas, esculturas e vitrais que foram todas arrematadas pelo comerciante português Francisco de Castro, que transportou todo o material da demolição do teatro para seu terreno de 4500 metros quadrados na região da Bela Vista.
Em pouco tempo – precisamente em 1922 ano da semana de arte moderna – estava inaugurada a Vila Itororó, a primeira obra de engenharia brasileira feita quase que totalmente de material reciclado de outra construção.
A Vila Itororó leva este nome em homenagem à nascente do Riacho do Itororó – que ficava onde hoje se encontra a avenida 23 de maio – e que abastecia a piscina da vila, a primeira particular de São Paulo.
O ecletismo da vila logo chamou a atenção de toda a população, devido às estátuas de teatro que ficam no anexo à esquerda da casa principal, dos leões que guardam a entrada da mansão e dos inúmeros adornos que foram trazidos do teatro demolido para lá.
Ainda se destacam no local vários vitrais circulares que decoram a mansão, cada um com um brasão real europeu, além dos brasões da cidade e do Estado de São Paulo, e do antigo império brasileiro. Na sala principal da mansão, gárgulas decoram o ambiente.
Na entrada é possível também encontrar dois leões de estilo assírio-babilônico e a belíssima e exótica estátua de bronze da Deusa da Prosperidade.
A vila foi inteligentemente planejada para ser auto-sustentável. No total, fora a mansão de Castro, existem outras 35 casas que eram alugadas por ele gerando uma confortável renda. A inquilina mais antiga do local atualmente, está ali desde o final da década de 40. Além disso, o anexo à direita da vila foi planejado para ser um teatro popular, o que acabou nunca acontecendo.

Um raro postal da Vila Itororó, possivelmente de 1922.
Os problemas da vila começaram em meados da década de 50, quando Francisco de Castro faleceu e não deixou herdeiros. Suas empresas e bens foram leiloados entre seus inúmeros credores e a vila foi junto. Duas décadas mais tarde, o complexo foi doado a Instituição Benenficiente Augusto de Oliveira Camargo.
O ÁRDUO PROCESSO DE TOMBAMENTO
Apelidado pelos vizinhos de “Castelo do Bexiga” a eclética vila há muito tempo chamava a atenção não só dos moradores da região mas também do poder público que acabou por iniciar o processo de tombamento do local no final da década de 70, até que em 1982 o processo foi concluído pela esfera estadual (Condephaat).
O tombamento que viria para salvar a vila de ruir de uma vez por todas acabou tornando-se uma enorme dor de cabeça para a prefeitura, o governo do estado, moradores da vila e admiradores da magnífica construção. Em virtude disso, mesmo tombado, o bem arrasta-se em polêmicas e discussão até hoje, 27 anos após ter sido iniciado o processo.
A grande briga trata-se entre os moradores da vila e a prefeitura, cada lado apresentando seus argumentos para defender sua posição. Os moradores alegam ter direito a usucapião uma vez que são em sua grande maioria, moradores de duas ou mais décadas que estão por lá e que pagavam seus aluguéis em dia.
Ocorre que em 2002 a prefeitura ao finalizar o processo de tombamento entrou com um processo de desapropriação contra a proprietária do local, depositando em juízo R$4,6 milhões de reais referente a área. Desde então a Instituição deixou de cobrar os aluguéis dos moradores que a partir dai continuaram pagando os demais tributos (luz e água) e passaram a utilizar estes tributos como forma de comprovar o usucapião. A briga ainda continua pois os antigos proprietários do local ainda lutam por uma indenização maior, de R$7 milhões, que a prefeitura discorda.
Já os moradores, todos muito pobres, alegam que tem direito a usucapião do local e que não vão deixar o local de jeito nenhum. “É nossa casa, nossa vida. Estou aqui há 30 anos e tenho o direito de permanecer no local que é meu de direito.”, explica à nossa reportagem Dona Antônia presidente da União dos Moradores da Vila Itororó.
Para ela é possível recuperar a vila sem despejar as famílias que ali vivem a tanto tempo: “Defendo a aplicação de um projeto semelhante à Boca de Buenos Aires, com eventos culturais importantes interagindo com os moradores.”. Ainda sobre a desocupação da vila, ela completa : “…recentemente o prefeito Kassab esteve aqui e disse que precisa resolver esta questão definitivamente, mas ela não pensa em nós. Fazemos parte da vila, exigimos respeito e queremos continuar aqui. “
A prefeitura por sua vez não aceita a idéia dos moradores permanecerem por lá e pretende colocar todos nos projetos de moradias populares para desocupar a vila e finalmente implementar o projeto de transformar o local em um grande pólo cultural e gastronômico, trazendo uma grande revitalização ao bairro da Bela Vista. O projeto modelo de restauração da vila é do arquiteto Vallandro Keating.
A DETERIORAÇÃO
Enquanto moradores, proprietários e prefeitura pelejam para ver quem está com a razão, quem realmente sofre é a vila. Resistindo a mais de 50 anos sem qualquer tipo de manutenção o local já apresenta sinais de que nem tudo poderá ser recuperado.
A destruição começa logo na entrada da mansão de Francisco de Castro onde um dos leões que guarda a passarela foi quase que completamente destruído, só restando suas patas. Será preciso fazer um molde do leão que ainda resiste para que uma réplica seja feita, isso se o outro leão resistir a tanto tempo de abandono.
Além disso a própria passarela de concreto que liga a rua martiniano de carvalho à porta da mansão – que está a 30 metros de altura do nível do terreno – enfrenta problemas graves de infiltrações podendo desabar, bem como os balaústres do local. Vários vitrais coloridos da mesma mansão estão parcialmente danificados ou rachados e um deles já foi completamente destruído, sendo impossível restaurar já que não há registros de qual imagem estava ali. Isso sem contar as inúmeras adaptações e demolições clandestinas feitas por moradores nas outras casas do complexo.
Enquanto a vila resistir persistirá o espírito corajoso e empreendedor do comerciante português Francisco de Castro que muito a frente de sua época foi o pioneiro da reciclagem, aproveitando o material do antigo teatro que virou mansão.
UM NOVO RUMO PARA A VILA ITORORÓ
Depois de exatos 37 anos do primeiro projeto para transformar a vila em um complexo cultural, naquela época com uma ação do SESC, finalmente começamos a ver as coisas sairem do papel.

Secretário de Cultura Nabil Bonduki e o Prefeito Haddad observam maquete da Vila Itororó
Serão restauradas as casas, a piscina, o ruamento e o palacete que compõem a vila. Após as obras, esses espaços poderão ser ocupados com atividades como residências artísticas, pesquisas e laboratórios de economia criativa, por exemplo. O projeto de ocupação será construído de maneira participativa, inclusive com a comunidade do entorno e com antigos moradores dos imóveis. O objetivo deste diálogo é a reincorporação da vila no cotidiano do bairro.
A primeira etapa da restauração, iniciada em 2014, foi de limpeza e de estabilização das construções da vila, além de levantamento histórico e iconográfico. As obras do palacete estão em fase de finalização do projeto executivo. A segunda etapa terá a restauração das casas e a criação de ateliês e alojamentos. A liberação para o uso será realizada conforme as intervenções sejam concluídas em cada setor. A última etapa envolverá a consolidação da praça, o restauro do palacete e a da piscina. A restauração receberá cerca de R$ 50 milhões de investimentos, financiados por meio da Lei Rouanet. A expectativa que as obras durem por volta de três anos.
A vila de mais de sete mil metros quadrados se transformará em um complexo cultural formado pelo galpão, onde hoje funciona o canteiro de obras, por 10 casas restauradas e pela piscina. Estão planejados ainda um bicicletário, uma horta e uma cozinha abertas ao público. Com a finalização das obras, o acesso será realizado pelas quatro vias do quarteirão, composto pelas ruas Pedroso, Maestro Cadin, Monsenhor Passalacqua e Martiniano de Carvalho.
Aguardamos ansiosamente pela vila completamente restaurada!
Veja mais fotos da Vila Itororó (clique na miniatura para ampliar):
Bibliografia Consultada:
FONTES:
- Site do Ministério das Cidades: Resgate da Vila Itororó fica no papel (03/09/2008). Link: http://tinyurl.com/bzcc67
- Site da Prefeitura de São Paulo: Prefeitura Anuncia a recuperação da Vila Itororó (23/01/2006). Link: http://www.prefeitura.sp.gov.br/portal/a_cidade/noticias/index.php?p=7275
- Blog dos Moradores da Vila Itororó (29/04/2008). Link: http://www.vilaitororo.blogspot.com/
- Dona Antonia, Presidente da União dos Moradores da Vila Itororó
- Arquivo Histórico Municipal de São Paulo Washington Luís (imagem do Teatro São José)
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